Agrava-se no Burundi<br>a crise política

Carlos Lopes Pereira

Atentados, revoltas populares, violência policial, prisões arbitrárias e falta de diálogo estão a agravar a situação política e no Burundi.

Trata-se da pior crise, neste país da região dos Grandes Lagos, desde a sangrenta guerra civil dos anos 90 do século passado, explicada como tendo sido causada por rivalidades étnicas – a maioria hútu contra a minoria tutsi, então no poder.

Em Bujumbura, na noite de domingo, 9, ouviram-se ao longo de horas tiros e explosões, em confrontos entre a polícia e insurrectos antigovernamentais nos bairros de Jabe, Nyakabiga e Cibitoke. De acordo com a revista Jeune Afrique, a população desses quarteirões levantou barricadas e reuniu grupos de autodefesa para enfrentar tanto a polícia como a milícia Imbonerakure, a organização de jovens do partido no poder, uma e outra fortemente armada. Segundo as autoridades, dos incidentes resultaram dois agentes da «ordem» feridos e uma viatura incendiada.

O Burundi está mergulhado numa complexa crise política e securitária desde finais de Abril, quando surgiu o anúncio da candidatura do presidente Pierre Nkurunziza a um terceiro mandato. Partidos da oposição, instituições da sociedade civil e a Igreja Católica – não falando do presidente Barack Obama, dos Estados Unidos… – consideraram anticonstitucional a recandidatura.

Em Maio, recorda a agência noticiosa angolana Angop, as autoridades frustraram uma alegada tentativa de golpe militar e desde então reprimiram com brutalidade as manifestações populares quase diárias nos bairros «contestatários» da capital.

Apesar de impugnadas pela oposição e classificadas como «não credíveis» pelas organizações internacionais, incluindo as Nações Unidas, as eleições presidenciais realizaram-se, a 21 de Julho.

Naturalmente, Nkurunziza, de 50 anos, no cargo há uma década, foi reeleito com uma maioria de quase 70 por cento dos votos e a partir daí a violência aumentou. Nos bairros rebeldes, os insurgentes antigovernamentais organizaram-se e armaram-se, intensificando-se assim os confrontos armados com a polícia e o exército.

«Todos os focos de resistência estão a pagar cara a oposição ao regime e os ataques com armas de fogo, as detenções e os assassinatos sucedem-se quotidianamente a um ritmo assustador», denunciou Pacifique Nininahazwe, responsável do Fórum para a Consciência e o Desenvolvimento, uma plataforma da sociedade civil burundesa.

Mais recentemente, a 2 de Agosto, o influente general Adolphe Nshimirimana, muito próximo de Nkurunziza e homem forte dos serviços secretos, foi abatido em plena capital, num ataque em que foram utilizadas armas pesadas contra a sua viatura.

No dia seguinte, Pierre-Claver Mbonimpa, um veterano activista dos direitos humanos, foi ferido a tiro com gravidade, numa tentativa de assassinato, ao que parece como retaliação pela morte de Nshimirimana. Internado num hospital de Bujumbura, foi depois transferido para a Bélgica, para tratamento médico.

Nkurunziza pediu à população que se mantenha calma e alertou-a para o perigo de «cair na armadilha da vingança».

Ban Ki-Moon apela ao diálogo

O percurso histórico do presidente do Burundi ajuda a compreender os contornos da situação actual.

Depois dos massacres inter-étnicos de Maio de 1995, Nkurunziza juntou-se às Forças Democráticas de Defesa (FDD), o movimento militar hútu contra o poder vigente tutsi. Em 2001 liderava já as FDD, que dois anos mais tarde se transformaram em partido e venceram as eleições legislativas de 2005. As FDD e o seu líder mantêm-se no poder desde então, neste pequeno país de 10 milhões de habitantes, que faz fronteira com a Tanzânia, o Ruanda e a República Democrática do Congo.

Hoje, com o agravamento da crise burundesa, redobram os esforços diplomáticos para evitar o pior – uma nova guerra civil que poderia alastrar a toda uma região com frágeis equilíbrios étnicos.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, exortou o presidente Nkurunziza a retomar o diálogo político inclusivo com a oposição e incentivou-o a agir em estreita colaboração com a Comunidade da África Oriental. Voltou a apelar a todos os burundeses para que resolvam as divergências de forma pacífica, com a mediação do presidente Yoweri Museveni, do Uganda, mandatado por aquela organização regional.

Ao longo das duas últimas décadas, prestigiados dirigentes africanos, primeiro Julius Nyerere, da Tanzânia, depois Nelson Mandela e mais tarde Jacob Zuma, da África do Sul, trabalharam como mediadores pela paz no Burundi. Já em 2015, duas tentativas de mediação falharam, esperando-se agora que Museveni consiga estabelecer a reconciliação nacional burundesa.




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